domingo, 25 de novembro de 2007

Fechem a Porta (II)


Os portugueses só dão a devida importância a assuntos que digam respeito às suas carteiras. Aí sim, toda a gente tem voz activa, espumam indignadamente pela boca a afirmar que o estado é o maior monstro de todos, ladrão confesso e reincidente porque se pagam impostos a mais, taxas demasiado altas, é intolerante, insensível e implacável para com os devedores, porque pagamos, repagamos e tornamos a pagar por nada ou por muito pouco. As políticas sociais são consideradas por muitos meras lamúrias, porque a guita é que conta e, se tenho guita, os outros não têm porque não se esforçam o suficiente. Se não tenho, é porque sou um desgraçado que não consegue viver num país de ladrões.

Frases como "ando eu a pagar ao estado para aquele andar aí sem fazer nada" dizem tudo. Dizem brutalmente tudo, na medida em que podemos ver que, mais do que saber a razão pela qual alguém não faz nada, importa fazer passar a imagem de que se é um mártir, um injustiçado, alguém que considera ter plena consciência do seu mais alto valor em relação ao próximo, sem ser reconhecido como tal e aí sim está o busílis. O núcleo! O cerne do queixume é o querer estar desniveladamente acima de alguém. Em suma: busca-se a bajulação, e alcança-se a pequenez.


Ninguém se preocupa de estar a pagar impostos para sustentar funcionários públicos pedófilos, educadores que recebem rendimentos extra a alugar crianças (que, por incrível que possa parecer a muita gente, não valem menos do que os filhos de ninguém) à hora. Quando se entrega uma criança a uma instituição não se pretende formar precocemente actores porno e prostitutos de fisga no bolso. É todo um novo conceito de "Empresa na Hora" - para funcionários - e de "Maior aposta na formação profissional" - para miúdos.

"Aquilo na Casa Pia sempre foi assim"

A pedófilia está a a banalizar-se em Portugal a passos largos. Já não se dá a devida importância a este flagelo que veio mais a público nestes últimos anos. Grosseiramente foram vindo a ser noticiados centenas de casos. De tal forma que as pessoas já não se chocam, as pessoas começam a não ligar ao assunto, começa a ser algo de normal.
É extremamente grave, na medida em que se o estado é um tutor incompetente e a opinião pública só se pronuncia verdadeiramente sobre assuntos que tocam directamente nas carteiras de cada indivíduo, então um dia, muito provavelmente teremos a infelicidade de assistir, indignados, a uma parada do orgulho pedófilo a desfilar na Av. da Liberdade.

Tivemos a Tolerância Zero nas estradas portuguesas que fundamentalmente resultou na muito conhecida caça à multa.
Teremos no ano de 2008 a Tolerância Zero à fraude fiscal.

Para quando uma Tolerância Zero à pedofilia?

Para quando uma Tolerância Zero à violência doméstica?

Para quando um Simplex dirigido ao instituto da adopção?

Para quando verdadeiras políticas sociais que não sejam apenas meros cobertores, que tapam (sem esconder) a intenção secundarizada de adquirir mais e mais fontes de receita?

Para quando um estado que olhe para as pessoas como pessoas, em vez de se limitar a ordenhá-las como se estas fossem meras vacas?

Para quando uma sociedade que DÊ importância ao seu próprio bem estar em vez de teimar em seguir uma rota, de um ouro que não existe?

...é que sempre fomos assim e andamos em círculos, teimamos em dar murros em ponta de faca.

Mudar ou insistir num erro quase milenar?

Se se sentir mal, coloque mais sal na comida, e se ainda assim não melhorar coloque mais sal ainda até se sentir bem. Se o conceito de Melhora for equacionável com o de Morte entra-se no âmbito de uma filosofia barata que saiu cara, quando afinal só queríamos que uma indisposição passasse.

Tende-se a resolver questões de elevado grau de importância, com recurso à persistência no erro. A política de prevenção rodoviária dos governantes resume-se ao agravamento das coimas, as crescentes agressões de que os agentes de autoridade são vítimas resolvem-se com mais policiamento, em suma: combate-se a fome com mais fome e o excesso com mais excesso. Ora isto é algo que não resulta nem nunca resultou em nenhuma das várias ciências, sejam elas sociais\humanas ou exactas.

O laxismo de todos em relação ao que se passou e continua neste preciso momento a passar-se na Casa Pia, não se combate com mais laxismo mas sim com mudança, redireccionamento, inovação, competência e sentido de responsabilidade.

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